1.
Contexto histórico pré-apartheid
A questão central que permeou os conflitos
políticos e armados na África do Sul pós 1935 foi a luta dos europeus para
manter seus privilégios econômicos, estratégicos e raciais na região. As leias
da época privilegiavam os brancos em todas as camadas sociais, da burguesia
rural e urbana ao proletariado e ao campesinato. Os direitos trabalhistas eram
legalmente garantidos apenas aos trabalhadores brancos, obrigando os negros a
venderem sua força de trabalho para a burguesia branca. A eles não era
permitida a criação de sindicatos, a participação em negociações coletivas, nem
o direito de greve. Criava-se uma mão-de-obra africana de baixo custo e sujeita
a determinação das elites brancas.
Boa parte desta
mão-de-obra era oriunda de outras localidades africanas que não a África do
Sul, notadamente as colônias da Bazutolândia, Bechuanalândia, Suazilândia,
Moçambique, Angola e Niassalândia. Os agentes de recrutamento sul-africanos
“enganavam intencionalmente os camponeses analfabetos, concedendo-lhes
adiantamentos em dinheiro e produtos, encantando-os pelo contato com as
maravilhas da vida urbana na África do Sul (...)” (CHANAIWA, David, 2010). As
colônias exportadoras de mão-de-obra recebiam em troca uma série de vantagens
econômicas. Estima-se que neste período a África do Sul contavam com 600 mil trabalhadores
migrantes.
Assim, nos anos
anteriores à aplicação formal da política do apartheid, a sociedade
sul-africana já estava calcada no racismo, na desigualdade social, na
exploração e na repressão, através de uma série de leis criadas pelos europeus
que restringiam a “boa vida” às elites coloniais brancas.
2.
O pós-guerra e a formalização do apartheid
O National Party sul-africano nasceu de uma aliança
entre operários brancos e a burguesia rural, ambas as classes compostas
majoritariamente por africâneres. Sua fundação origina-se da necessidade de
oposição ao United Party, representante do capitalismo internacional branco e
urbano, dos profissionais liberais e da burguesia. A disputa central entre os
dois partidos residia na discordância em relação aos métodos a serem usados
para a manutenção da supremacia branca sul-africana.
As eleições de 1948 levaram o National Party ao
poder, e como política frente ao “perigo negro”, instituíram o regime do
apartheid, calcado na segregação racial e na manutenção dos privilégios
brancos.
Como consequência da Segunda Guerra Mundial,
seguiu-se um profundo desenvolvimento urbano na África do Sul, buscando suprir
as necessidades de uma Europa em crise. A burguesia urbana ganhou poder, em
detrimento da burguesia tradicional rural. Novas classes surgiram, resultando
da busca da burguesia urbana por “uma mão-de-obra africana qualificada com um
maior poder de compra” (CHANAIWA, David, 2010). Estas classes estavam ligadas à
urbanização, a ocidentalização e ao antirracismo, formadas por profissionais
liberais, homens de negócios, professores, etc.
3.
O Nacionalismo Africano Ortodoxo
Oriundo do crescimento da nova classe média
sul-africana, ganhou força um fenômeno continental chamado de Nacionalismo
Africano Ortodoxo. Seus adeptos, membros tanto do proletariado urbano quanto da
massa camponesa, exigiam o fim da dominação colonial, do imperialismo e do
racismo, e defendiam a independência política africana, o sufrágio universal e
a democracia parlamentar.
Sua atuação se dava por meio de manifestações,
boicotes e greves. Surgiu, na África do Sul, o Congresso Nacional Africano
(CNA). Também ganharam força o Partido Comunista Sul-africano e a Liga da Juventude
do CNA, esta última descontente com a aliança entre o CNA e brancos liberais.
Frente ao crescimento de tais movimentos, e
principalmente após o Congresso dos Povos de 1955, que defendeu uma África do
Sul livre, unida e não racista, o governo sul-africano adotou políticas cada
vez mais violentas e repressivas. Sem conseguir parar a determinação africana,
foram propostas outras medidas, dentre elas a famosa política dos bantustões:
ela consistia em reagrupar os africanos em “lares nacionais”, dentro dos quais
seria permitido que alcançassem o desenvolvimento de forma separada. A última
palavra, porém, cabia sempre ao governo da África do Sul branca. Em última
instância, a política dos bantustões pretendia “balcanizar o nacionalismo
africano e ganhar tempo, consolidando, todavia, a supremacia branca” (CHANAIWA,
David, 2010).
Tal política falhou em suplantar o nacionalismo
africano, porém provocou divisões e cisões no âmago de diversos grupos étnicos
e raciais. Dentro dos bantustões, cresceu a pobreza, o subdesenvolvimento, e
novamente os homens africanos se viam forçados a vender sua força de trabalho à
burguesia branca.
As manifestações continuavam, porém seguiam sendo
severamente reprimidas. Dentro do CNA, houveram divergências quanto à que
atitudes deveriam ser tomadas diante da violência do Estado, e delas nasceu o
Pan African Congress (PAC). O PAC consolidou como objetivo livrar a África do
Sul da supremacia branca, em oposição à política multirracial dirigida pelos
brancos que apoiavam o CNA.
As manifestações se intensificaram, até culminarem
em uma verdadeira tragédia em Sharpeville: um cordão de policiais brancos abriu
fogo contra os manifestantes, que somavam de 10 a 20 mil, provocando 72 mortes
e 186 feridos, dentre os quais 40 mulheres e 8 crianças.
O que seguiu-se foi o banimento do CNA e do PAC
pelo governo sul-africano. Membros dos CNA (dentre eles seus ex-presidente, o
célebre Nelson Mandela) fundaram um movimento clandestino, porém seu
quartel-general foi alvo de uma operação policial em 1963, e seus líderes foram
presos. Outros movimentos clandestinos também foram esmagados, e como única
alternativa, foram forçados a instalar suas bases fora do território africano.
4.
Os Movimentos de Libertação (1960-1980)
Nos anos 1960, os africanos reconheceram a derrota
do liberalismo e de seu nacionalismo ortodoxo. Desenvolveram-se então os
chamados movimentos de libertação, baseados em princípios marxistas e
leninistas e que reivindicavam a luta armada revolucionária, em oposição à ação
militante do nacionalismo ortodoxo, notadamente impotente diante do governo
branco.
Em 1964 os movimentos de libertação deram início à
luta armada, apoiados pelas massas urbanas e rurais, pelos intelectuais e
progressistas. Seu apoio externo vinha da URSS, da China, do Comitê de
Libertação da Organização para a Unidade Africana, dos países escandinavos, das
organizações humanitárias e dos movimentos de solidariedade do mundo ocidental.
Do outro lado do campo de batalha, os colonos tinham o apoio da Grã-Bretanha,
dos EUA, da França e da então Alemanha Ocidental.
Como estratégia para enfraquecer a unidade inimiga,
as forças sul-africanas, em unidade com os brancos rodesianos e portugueses,
reagruparam comunidades africanas em verdadeiros campos de concentração.
Porém os movimentos pela libertação ganhavam força.
Na Angola e em Moçambique os governos portugueses foram derrotados, e as
lideranças da África Austral caíram na vulnerabilidade. Seus antigos apoiadores
ocidentais foram obrigados a rever sua política, e passaram a defender uma
política de negociação.
Na África do Sul, o regime do apartheid foi
reforçado, porém não impediu a intensificação dos movimentos de libertação. O
principal deles foi o movimento ideológico da Consciência Negra, liderado por
Steve Biko. Ele promoveu alianças operário-estudantis, organizou greves e
fortaleceu os movimentos de libertação na África do Sul. Acabou preso pelo
governo após a instituição do Anti-Terrorism Act, em 1967, e morreu 10 anos
depois, após ser severamente torturado.
5.
Fim do Apartheid
Cada vez mais, porém, a oposição ao apartheid
crescia, e em resposta vinha intensificação da repressão e da violência do
governo sul-africano. A luta armada contra o apartheid ganhou o apoio de amplos
setores da comunidades mundial, dentre estes a ONU.
O poder africâner iniciou sua derrocada final nas
eleições 1989, quando da desagregação do consenso branco na África do Sul. As
pressões e intervenções internacionais acentuavam-se, de modo que culminaram,
1991, com o fim definitivo do regime do apartheid.
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