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quarta-feira, 17 de junho de 2015

Conflitos Políticos e o Apartheid

 

1.       Contexto histórico pré-apartheid          

A questão central que permeou os conflitos políticos e armados na África do Sul pós 1935 foi a luta dos europeus para manter seus privilégios econômicos, estratégicos e raciais na região. As leias da época privilegiavam os brancos em todas as camadas sociais, da burguesia rural e urbana ao proletariado e ao campesinato. Os direitos trabalhistas eram legalmente garantidos apenas aos trabalhadores brancos, obrigando os negros a venderem sua força de trabalho para a burguesia branca. A eles não era permitida a criação de sindicatos, a participação em negociações coletivas, nem o direito de greve. Criava-se uma mão-de-obra africana de baixo custo e sujeita a determinação das elites brancas.          
                Boa parte desta mão-de-obra era oriunda de outras localidades africanas que não a África do Sul, notadamente as colônias da Bazutolândia, Bechuanalândia, Suazilândia, Moçambique, Angola e Niassalândia. Os agentes de recrutamento sul-africanos “enganavam intencionalmente os camponeses analfabetos, concedendo-lhes adiantamentos em dinheiro e produtos, encantando-os pelo contato com as maravilhas da vida urbana na África do Sul (...)” (CHANAIWA, David, 2010). As colônias exportadoras de mão-de-obra recebiam em troca uma série de vantagens econômicas. Estima-se que neste período a África do Sul contavam com 600 mil trabalhadores migrantes.
                Assim, nos anos anteriores à aplicação formal da política do apartheid, a sociedade sul-africana já estava calcada no racismo, na desigualdade social, na exploração e na repressão, através de uma série de leis criadas pelos europeus que restringiam a “boa vida” às elites coloniais brancas.

2.       O pós-guerra e a formalização do apartheid

O National Party sul-africano nasceu de uma aliança entre operários brancos e a burguesia rural, ambas as classes compostas majoritariamente por africâneres. Sua fundação origina-se da necessidade de oposição ao United Party, representante do capitalismo internacional branco e urbano, dos profissionais liberais e da burguesia. A disputa central entre os dois partidos residia na discordância em relação aos métodos a serem usados para a manutenção da supremacia branca sul-africana.
As eleições de 1948 levaram o National Party ao poder, e como política frente ao “perigo negro”, instituíram o regime do apartheid, calcado na segregação racial e na manutenção dos privilégios brancos.
Como consequência da Segunda Guerra Mundial, seguiu-se um profundo desenvolvimento urbano na África do Sul, buscando suprir as necessidades de uma Europa em crise. A burguesia urbana ganhou poder, em detrimento da burguesia tradicional rural. Novas classes surgiram, resultando da busca da burguesia urbana por “uma mão-de-obra africana qualificada com um maior poder de compra” (CHANAIWA, David, 2010). Estas classes estavam ligadas à urbanização, a ocidentalização e ao antirracismo, formadas por profissionais liberais, homens de negócios, professores, etc.

3.       O Nacionalismo Africano Ortodoxo

Oriundo do crescimento da nova classe média sul-africana, ganhou força um fenômeno continental chamado de Nacionalismo Africano Ortodoxo. Seus adeptos, membros tanto do proletariado urbano quanto da massa camponesa, exigiam o fim da dominação colonial, do imperialismo e do racismo, e defendiam a independência política africana, o sufrágio universal e a democracia parlamentar.
Sua atuação se dava por meio de manifestações, boicotes e greves. Surgiu, na África do Sul, o Congresso Nacional Africano (CNA). Também ganharam força o Partido Comunista Sul-africano e a Liga da Juventude do CNA, esta última descontente com a aliança entre o CNA e brancos liberais.
Frente ao crescimento de tais movimentos, e principalmente após o Congresso dos Povos de 1955, que defendeu uma África do Sul livre, unida e não racista, o governo sul-africano adotou políticas cada vez mais violentas e repressivas. Sem conseguir parar a determinação africana, foram propostas outras medidas, dentre elas a famosa política dos bantustões: ela consistia em reagrupar os africanos em “lares nacionais”, dentro dos quais seria permitido que alcançassem o desenvolvimento de forma separada. A última palavra, porém, cabia sempre ao governo da África do Sul branca. Em última instância, a política dos bantustões pretendia “balcanizar o nacionalismo africano e ganhar tempo, consolidando, todavia, a supremacia branca” (CHANAIWA, David, 2010).
Tal política falhou em suplantar o nacionalismo africano, porém provocou divisões e cisões no âmago de diversos grupos étnicos e raciais. Dentro dos bantustões, cresceu a pobreza, o subdesenvolvimento, e novamente os homens africanos se viam forçados a vender sua força de trabalho à burguesia branca.
As manifestações continuavam, porém seguiam sendo severamente reprimidas. Dentro do CNA, houveram divergências quanto à que atitudes deveriam ser tomadas diante da violência do Estado, e delas nasceu o Pan African Congress (PAC). O PAC consolidou como objetivo livrar a África do Sul da supremacia branca, em oposição à política multirracial dirigida pelos brancos que apoiavam o CNA.
As manifestações se intensificaram, até culminarem em uma verdadeira tragédia em Sharpeville: um cordão de policiais brancos abriu fogo contra os manifestantes, que somavam de 10 a 20 mil, provocando 72 mortes e 186 feridos, dentre os quais 40 mulheres e 8 crianças.
O que seguiu-se foi o banimento do CNA e do PAC pelo governo sul-africano. Membros dos CNA (dentre eles seus ex-presidente, o célebre Nelson Mandela) fundaram um movimento clandestino, porém seu quartel-general foi alvo de uma operação policial em 1963, e seus líderes foram presos. Outros movimentos clandestinos também foram esmagados, e como única alternativa, foram forçados a instalar suas bases fora do território africano.

4.       Os Movimentos de Libertação (1960-1980)

Nos anos 1960, os africanos reconheceram a derrota do liberalismo e de seu nacionalismo ortodoxo. Desenvolveram-se então os chamados movimentos de libertação, baseados em princípios marxistas e leninistas e que reivindicavam a luta armada revolucionária, em oposição à ação militante do nacionalismo ortodoxo, notadamente impotente diante do governo branco.
Em 1964 os movimentos de libertação deram início à luta armada, apoiados pelas massas urbanas e rurais, pelos intelectuais e progressistas. Seu apoio externo vinha da URSS, da China, do Comitê de Libertação da Organização para a Unidade Africana, dos países escandinavos, das organizações humanitárias e dos movimentos de solidariedade do mundo ocidental. Do outro lado do campo de batalha, os colonos tinham o apoio da Grã-Bretanha, dos EUA, da França e da então Alemanha Ocidental.
Como estratégia para enfraquecer a unidade inimiga, as forças sul-africanas, em unidade com os brancos rodesianos e portugueses, reagruparam comunidades africanas em verdadeiros campos de concentração.
Porém os movimentos pela libertação ganhavam força. Na Angola e em Moçambique os governos portugueses foram derrotados, e as lideranças da África Austral caíram na vulnerabilidade. Seus antigos apoiadores ocidentais foram obrigados a rever sua política, e passaram a defender uma política de negociação.
Na África do Sul, o regime do apartheid foi reforçado, porém não impediu a intensificação dos movimentos de libertação. O principal deles foi o movimento ideológico da Consciência Negra, liderado por Steve Biko. Ele promoveu alianças operário-estudantis, organizou greves e fortaleceu os movimentos de libertação na África do Sul. Acabou preso pelo governo após a instituição do Anti-Terrorism Act, em 1967, e morreu 10 anos depois, após ser severamente torturado.

5.       Fim do Apartheid

Cada vez mais, porém, a oposição ao apartheid crescia, e em resposta vinha intensificação da repressão e da violência do governo sul-africano. A luta armada contra o apartheid ganhou o apoio de amplos setores da comunidades mundial, dentre estes a ONU.

O poder africâner iniciou sua derrocada final nas eleições 1989, quando da desagregação do consenso branco na África do Sul. As pressões e intervenções internacionais acentuavam-se, de modo que culminaram, 1991, com o fim definitivo do regime do apartheid.

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